domingo, 23 de maio de 2010

Papo-furado

Tinha toda aquela história de Coca-Cola, passeios no parque e mulheres que podiam voar. Pedi a minha (Coca), com gelo. Depois acendi o cigarro e notei que ela vigia meus gestos. Traguei e lancei a fumaça antes de arrotar minhas palavras sem sentido. Daí engatamos algo que deveria ser uma conversa entre duas pessoas fingindo serem normais. Mais veio a tal história que mulheres poderiam voar e quase ri. Ela afirmava que existia e que algum dia me mostraria. Continuei bebendo a Coca, fumando o cigarro. Ela falava, falava e dizia que Porto Alegre é linda a noite, que adorava ver os velhos navios ancorados no cais do Porto. Falou sobre as luzes dos postes em noites geladas e mais um monte de babozeiras que eu fingia gostar.

Brigitte Bardot

Brigitte Bardot. Era isso. Brigitte Bardot. Quando jovem. Sim, quando jovem. Eu sabia. Aposto que ali ninguém sabia, ninguém havia pensado nisso. Todos os homens olharam, todos os caras viraram o pescoço. Era linda. Linda como uma francesa. Uma francesa com biquinho. Sim, ela fazia biquinho quando falava. Eu vi. Vi. Ela pediu um xis salada. Um xis salada completo; com carne, alface, ervilhas, milho, maionese e ovo. O cara da lanchonete chegou para fazer o pedido.
- Um Xis Salada - ela disse. Com biquinho, ela fez biquinho, parecia uma francesa, parecia Brigitte Bardot. Linda. Linda.
- Completo?
- Sim, completo. Com ovo.
Com ovo, ela disse. Com ovo, disse ela com biquinho. Fez um lindo biquinho ao dizer a palavra. Uma palavra nunca se tornara tão bonita para mim. Os caras disfarçavam e olhavam. Eu também. Parecia uma visão, parecia não existir. Aposto que eles não sabiam. Ninguém sabia, apenas eu. Eu sabia, ela parecia a Brigitte Bardot. A cara, o focinho. O corpo. Ah, o corpo. Brilhava, parecia brilhar. Brilhar não. Iluminar, ela iluminava, era iluminada. Parecia uma visão. Parecia não existir. Beleza. Aquilo era beleza. Aquilo era A beleza. Atraía. Atraía os corpos ao seu redor. Atraía meu corpo. E fazia biquinho. Pediu uma Coca, com biquinho. Não tinha. Uma Pepsi. Vai de Pepsi. Fez bolinha. Era o gás. Eu sabia. As bolinhas subiram, ela bebeu. Os lábios, os lábio molhados, as bolinhas.
Dei uma dentada. Brigitte Bardot. Dentadas. Mordi meu xis. Xis Galinha. Ela gosta de bichinhos. O meu era sem maionese. Mordidas. Dei outra. Queria ela. Queria poder mordê-la.
- Salta um Xis Salada completo. Berrou o cara.
Com ovo, pensei. Com ovo. Ela agradeceu. Mordeu. Queria mordê-la. Olhos grandes, azuis, brilhavam. O cabelo também. Dourados, ondulados. Seu corpo, ondulado. Montanha. Queria subir em sua montanha, meter a cara ali. Sim, entre elas. Entre ela. Queria uma assim.
- Mais um refrigente - pedi. Já sei. Sim, pode ser. O meu também fez bolinhas. Ela engoliu. Outro pedaço. Mastigou, engoliu, comeu. Eu queria comê-la. Engoli-la. Ver ela engolir. Com biquinho. Era linda, deveria ser lindo de sê ver. Sem maionese, o meu. Ela gostava com. Deixou um poquinho no canto da boca. Eu vi. Ficou ali enquanto ela engolia. Maionese. Ela limpou depois. Brigitte Bardot. Comi meu xis. Acendi um cigarro. Fiquei matando tempo, para vê-la. Para vê-la comer. Para vê-la existir. Os caras disfarçavam. Eu também. Depois arrisquei mais. Fiquei encarando por um tempo. Um breve tempo. Ela me olhou. Eu vi. Ela viu. Os caras viram. Eu tremi. Sou um merda. Eu tremi. Brigitte Bardot. Desviei o olhar. Garrafa, mesa, parede, tragada. Sou um merda. Eu queria vê-la nua. Não ali. Podia ser. Imaginei ela nua. Ali, fora dali. Na minha cama, numa cama. Parecia não existir. Ela mordeu novamente. Mastigou, engoliu, bebeu um gole de refrigerente. Xis salada. Ela gosta de Xis Salada. Linda daquele jeito. Brigitte Bardot. Terminou o xis, o refrigerente. Depois pagou. Foi embora.
Foi embora.
Foi embora.
Foi embora.
Foi embora.
Brigitte Bardot. Eu sabia. Ninguém ali sabia.
Queria vê-la nua.
Xis Salada, com ovos.
Eu lhe mostraria.
Queria comê-la.
Brigitte Bardot. Eu sabia. Ninguém ali sabia. Aposto.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O sorriso de Ernest

Era uma cidadezinha muito triste, perdida no meio do nada, rodeada por pedras e arbustos. Tinha apenas um bar e os homens se reuniam, especialmente nas noites de sexta-feira.O velho Ernest gostava de ir beber e fumar seu charuto sem dar muito papo para ninguém. Certa noite Ernest não apareceu. Todos estranharam sua ausência. Mesmo não sendo muito de conversa, Ernest fazia parte daquilo. Do bar, das noites de sexta-feira e da solidão do lugar.A noite ia quente e pegajosa, arrastando-se madrugada a dentro e o assunto não era outro senão a ausência de Ernest.Então, no meio da madrugada Ernest entrou porta a dentro. Todos pararam de beber, fingiram não ligarem ao vê-lo entrar, mas o silêncio reinou no lugar. Ernest trazia consigo uma mulatinha. Uma pequena e jovem e macia mulatinha. Aparentava não mais que quinze, talvez dezesseis anos de idade.Ernest entrou silencioso e procurou seu canto no bar. A mulatinha seguia ao seu lado. Ernest segurava sua pequena mão. Ela desfilou tímida até a mesa, o corpo desenhado e fresco. Usava uma velha calça de jeans que marcava sua bela bunda. Os homens olhavam enquanto os dois sentaram. Ernest ignorou à todos e sorriu para a mulatinha depois de sentarem.- Quer uma cerveja, boneca? - perguntou Ernest com uma leveza que deixou todos espantados. Ernest era um homem rude de aparência, mãos grossas e calejadas, de pouquíssimo sorriso.A mulatinha sorriu tímida. Um sorriso de anjo e ao mesmo tempo sensual. Era muito bonita, os dentes muito brancos e lindos.- Sim. Vou querer.Ernest chamou o velho garçom.- Traga uma cerveja para nós. Bem gelada, que queremos matar a sede.- Mais alguma coisa? - perguntou o garçom sem conseguir disfarçar os olhares gulosos para a mulatinha.- Traga também algumas batatas fritas. Minha garotinha de deve estar com fome.O garçom olhou para ela. A mulatinha acendia um cigarro.- Você não deve fumar, neném - disse Ernest.- Ora, Ernest. Você me conheceu fumando e fumando continuarei.Ernest sorriu.- Está bem, querida.O garçom trouxe a cerveja e as batatas fritas. Os dois beberam e comeram com vontade. A mulatinha atraía a todos. Era muito sensual. Tinha volúpia nos olhos. O decote mostrava a pele linda e morena, brilhava. Tinha os seios médios e os bicos marcavam a blusa verde colada ao corpo.Ficaram todos imaginando e se perguntando de onde Ernest havia conseguido aquela garota. Invejavam, mas falavam uns aos outros que Ernest estava ficando louco. Uma aparecer com uma garota com não mais que dezesseis anos de idade. E vestida daquela maneira, com aquelas roupas que mais parecia de uma prostituta de estrada. Aquelas roupas coladas ao corpo. Mostrando os peitos, fumando e bebendo ali no bar dos homens.Ernest não estava respeitando a memória de sua falecida mulher. Fazia mais de dez anos que ela morrera e desde então Ernest vivera solitário. Trabalhando como um burro de carga, um desgraçado. Sorrindo muito pouco e voltando para casa sozinho depois de beber no bar todas sextas-feiras.Ernest percebeu os olhares, os cochichos, tudo. Percebeu os olhares de reprovação, e também os de desejo sobre sua mulatinha. Ernest pegou mais algumas cervejas, comprou cigarros e mais comida. Pagou tudo e foi-se embora com sua mulatinha Ao saírem do bar de mãos dadas, Ernest olhou as estrelas naquela noite quente. Ele mal continha o sorriso no rosto.